Às vésperas da estreia de Fina Estampa, sua próxima novela das 9, o autor Aguinaldo Silva destila comentários afiados, divertidos e certeiros sobre tudo e todos
por Sofia Cerqueira | 17 de Agosto de 2011
A cena é digna dos melhores folhetins. Os alunos de um tradicional colégio religioso estão agitados, envolvidos na eleição anual da rainha da primavera. Quando todos os estudantes aguardam em um auditório pela apuração do resultado, o professor encarregado da contagem emudece ao abrir o primeiro voto. Amassa a cédula e a joga fora, sem dizer uma palavra. Pega outro papel e, de novo, o descarta. Assim faz sucessivamente, até que, indignado, decide cancelar o escrutínio. A essa altura, todos os olhares e cochichos têm como alvo um garoto tímido e sensível sentado a um canto da plateia. O menino percebe que toda a escola havia votado nele, numa brincadeira cruel orquestrada pelos colegas de sua classe. De tão envergonhado, não volta para casa. Vai para uma praça, onde chora compulsivamente.
O relato acima poderia ser um ótimo ponto de partida para um filme — ou novela — sobre bullying juvenil, mas é real. Aconteceu em 1957 no Colégio Americano Batista, no Recife. O garoto em questão é o hoje escritor Aguinaldo Silva, 67 anos, um dos mais festejados autores do país. Por mais de meio século, ele escondeu a história de familiares e conhecidos. Recentemente contou o episódio a um amigo e, desde então, decidiu que não havia mais espaço em sua vida para velhos rancores, mágoas ou recalques. A confissão de um trauma de infância coincide com uma fase nova na trajetória do dramaturgo. De uns tempos para cá, ele resolveu dizer tudo o que passa pela sua cabeça. “Quando você chega a uma certa idade, tem de optar: ou continua a ser hipócrita, ou fala o que pensa”, explica. “Vivemos numa época em que as pessoas só se preocupam em se preservar. Para quê? Para a tumba?” Às vésperas de estrear sua 13ª trama, Fina Estampa, no próximo dia 22, Aguinaldo Silva transformou-se em uma das personalidades mais ferinas da TV. Sem medo de se envolver em polêmicas, delicia seus admiradores com comentários afiados sobre tudo e todos. Mesmo que isso signifique atrair o ódio de suas vítimas.
Em um universo como o da televisão, em que as palavras são medidas e todos fingem fazer parte de uma grande família, ele se destaca pelo comportamento sui generis. Atores, atrizes, nomes consagrados da música, celebridades internacionais como Justin Bieber e Lady Gaga, políticos — não há assunto que escape dos seus petardos. Para ele, Gilberto Braga, autor de Insensato Coração, atual cartaz das 9 que será sucedido por Fina Estampa, faz gênero cada vez que declara não gostar de escrever novelas. Dispara também contra o apresentador Zeca Camargo, do Fantástico, ao comentar que ele criou um tipo garotão que não condiz com sua idade (48 anos). É especialmente cruel com o ator Murilo Benício, que despontou para o estrelato em uma novela sua (Fera Ferida, de 1993). “Não entendo o que ele diz. Esse rapaz precisa fazer um curso de dicção”, ataca. O queridinho Fábio Assunção é outro alvo de sua metralhadora giratória por ter abandonado as gravações de Insensato Coração alegando problemas com drogas. “Por que então aceitou o convite e começou a gravar?”, pergunta.
Escrever uma novela de sucesso vai além das fórmulas prontas. Há variáveis como a empatia do público, a verossimilhança dos personagens e o desempenho dos atores. No caso de Fina Estampa, Aguinaldo pretende investir firme no gênero popular e abusar do humor e da emoção. O enredo vai girar em torno de uma discussão: o que conta mais para o ser humano — o caráter ou a aparência? Para criar os tipos, ele se inspirou nos jornais — lê três por dia — e em pessoas que conheceu nas ruas. A protagonista, Lília Cabral, será uma viúva portuguesa que faz pequenos consertos para sustentar os filhos. Surpresa: haverá um único personagem homossexual. Interpretado por Marcelo Serrado, ele idolatra sua patroa, interpretada por Cristiane Torloni. Beijo entre pessoas do mesmo sexo está fora de questão. “O telespectador não quer”, justifica. “Neste momento tem gay demais na televisão.”
Cada vez que começa a escrever, Aguinaldo mergulha em um regime de trabalho que define como “cárcere privado”. Metódico e disciplinado, acorda religiosamente às 5h30. Uma hora e meia depois, está diante do computador. Antes, cumpre uma espécie de ritual. Vaidosíssimo, usa um creme para o corpo, outro para os olhos e mais dois para o rosto. Só trabalha perfumado e vestido com roupas de grife. No dia em que recebeu VEJA RIO, usava mocassins e echarpe Louis Vuitton, calça Ermenegildo Zegna e camisa Hugo Boss. Depois de pelo menos nove horas de trabalho, quando escreve 35 páginas (ou um capítulo), é ele quem prepara o próprio jantar. É quando consegue relaxar. Costuma assistir às suas novelas assim que vão ao ar e ainda tem o hábito de ver pelo menos meia hora de um filme ou um seriado — que podem variar de clássicos como A Malvada, com Bette Davis, a séries como a americana Mad Men, sobre o mundo da publicidade nos anos 60. Tudo cronometrado. O confinamento segue até o derradeiro capítulo. Aguinaldo conta que enquanto Duas Caras esteve no ar, por exemplo, só saiu duas vezes do lar. É bom deixar claro que, quando fala em lar, ele pode estar se referindo a qualquer uma de suas cinco propriedades — uma casa e um flat na Barra, um apartamento no Centro, um sítio em Itaipava e um imóvel em Lisboa.
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