O abandono de emprego do, agora, ex-técnico do Flamengo
pegou de surpresa clube, imprensa e torcedores. É certo que, há tempos, as
coisas já não vinham dando muito certo pelas bandas da Gávea. O treinador evitou
demonstrar que tomaria atitude tão drástica, mas o clima no clube passava longe
da leveza.
Com o discurso do profissionalismo ensaiado, a nova gestão
assumiu prometendo uma revolução. Sinalizando austeridade, reformulou a folha
de pagamentos da equipe, enxugando despesas e podando os excessos. Na
reengenharia projetada pelos cartolas da vitoriosa chapa azul, não havia mais
espaço para loucuras.
O primeiro a sentir o corte afiado da navalha foi o
artilheiro do time. Sem lugar para sentimentalismos, Vagner foi despachado de
volta para a fria Moscou. Destino parecido tiveram outros medalhões. Ao mesmo
tempo que reduzia gastos, a cúpula do “Mais Querido do Brasil” investia fortemente
no saneamento das dívidas e na atração de novas receitas, para turbinar o
futuro rubro-negro.
O difícil equilíbrio entre razão e emoção, no entanto,
evidenciava-se em pequenos detalhes. Zinho foi rebaixado de função e pediu o
boné. Em seu lugar, um manager de velhos hábitos e boas relações com os
vetustos bastidores da bola ganhou carta branca. Trouxe com ele os ares, amigos
e manias dos pampas.
Na sua primeira bola dividida, resgatou um velho axioma do
futebol: menos é mais. E entre a manutenção de um técnico caro e eficiente, mas
sem identificação com o clube, a opção pela fórmula caseira do bom e barato,
fazendo o “filho” à casa retornar. Jorginho foi um desastre e as sirenes da
boca maldita começaram a tocar. O prometido choque de gestão colocara o
presidente Eduardo Bandeira de Mello na marca do cal. E ele desperdiçou um
pênalti importantíssimo.
A manutenção de Jorginho, com todos os seus percalços e
instabilidade tinha mais chances de prosperar, do que a virada de mesa
repentina que reacendeu os temores e o fantasma da lógica transversa e
oportunista dos velhos e nada saudosos dirigentes torcedores: ganhou fica,
perdeu sai.
Sob o clamor da seriedade, respeito à hierarquia e
comprometimento, Renato Abreu foi outro que dançou. A faxina silenciosa gerou
instabilidade no elenco. No saneamento a toque de quartel, o banimento de
antigos ídolos das dependências do clube evidenciou-se como outro gesto tresloucado
de um grupo bem intencionado, mas com a típica banca dos CEOs das grandes corporações.
O episódio Mano Menezes dá a exata noção de que o futebol
não é para novatos. Contratado a peso de ouro (sim!), para conduzir o barco
flamenguista à águas seguras (durante um período de mares revoltos e poucos
investimentos), o laureado professor não hesitou diante do óbvio (para o qual,
aliás, deveria estar preparado): uma andorinha só não faz verão. E ainda que
tenha trazido parte do seu bando (de loucos ?) para o Rio de Janeiro, a máquina
não azeitou.
Demonstrando total indiferença à hierarquia, aos novos
métodos de gestão e ao acordo firmado em torno de uma transição de longo prazo,
não deixou sequer uma banana para os engravatados dirigentes de colarinho azul
bebê. No melhor estilo novas mídias, comunicou a saída por um prosaico SMS. E
ponto final...
É bom lembrar que Mano não é o primeiro gaúcho a abandonar o
barco flamenguista. Por razões e em contextos diferentes, o “gremista” da hora
deixou novamente com cara de tacho uma nação inteira. Saiu pela porta dos
fundos, cuspindo no prato em que comeu.
E ainda fazendo cara de bravo...
Se as antigas (ou nem tão antigas assim) gerações de dirigentes
cometeram vários equívocos a frente do vermelho e preto da Gávea, os atuais
executivos aprenderam pouco com o passado. Tratar o futebol como negócio exige
mais do que técnica. É preciso colocar a razão adiante do sentimento, mas sem
sufocá-lo.
E o Flamengo vem correndo o risco de perder a sua essência. A
contratação de um técnico top para um elenco desequilibrado foi um erro crasso.
Parecia tão evidente o desacerto, que é difícil acreditar que tenha prosperado.
Agora, sem tantas alternativas no mercado e diante de pressão máxima, pode ser
que dê certo com o Jaime, o que se tentou fazer com o Jorginho. É uma boa
aposta.
O que não se pode é tornar o ambiente da Gávea irrespirável. Mudar a cultura de uma organização, pelo menos das esportivas, exige tempo. Não se deve fazê-lo na base das diretrizes executivas frias e assépticas. Em seus piores momentos, o que manteve o rubro-negro pulsando foi justamente a força de seu espírito. A combinação improvável entre o calor das massas e a mística das tradições centenárias pode funcionar como ativo intangível valioso, que nenhum engomadinho, técnico ou não, saberá explorar usando régua e compasso....
Nenhum comentário:
Postar um comentário