A rescisão da parceira Flamengo-Traffic, formada para repatriar Ronaldinho Gaúcho, evidencia um importante desafio para o futuro do futebol brasileiro. Afinal, como pagar a conta dos supersalários com que vêm sendo agraciados os jogadores de ponta do Brasil ?
O Flamengo declara que assumirá o compromisso, de forma independente, com Gaúcho. Não há dúvidas que, potencial de receitas tem de sobra para isso. O problema é transformar este potencial em realidade. Desde a chegada de Ronaldinho, o clube enfrenta severas dificuldades em captar recursos, a despeito da enorme atração exercida por sua marca e demais ativos.
E o problema não se restringe ao clube da Gávea. Corinthians, Santos, Fluminense e Internacional, apenas para ficarmos nos casos mais conhecidos, abriram seus cofres para remunerar seus astros com salários que são cada vez mais raros na Europa.
Por um lado, a crise no velho continente, em rota oposta à bonança da economia verde-amarela explica parte do cenário. Mas, de outro, o desequilíbrio entre receitas e despesas e a falta de um planejamento eficaz dos clubes brasileiros lançam sérias dúvidas quanto a capacidade de sobrevivência do atual modelo de remuneração.
As diferentes propostas que cada clube abraçou para viabilizar os salários milionários, não são um indicativo confiável na viabilidade do conjunto. Os mega salários do topo da pirâmide pressionam aumentos nos níveis inferiores, inflacionando o mercado como um todo. Não se pode descartar a existência de uma bolha, cujas conseqüências são difíceis de prever.
É certo que as condições internas da economia brasileira, bem como a proximidade dos grandes eventos (Copa do Mundo e Olimpíadas) favoreceram uma mudança de patamar na captação de recursos para as principais entidades esportivas brasileiras. Notadamente os clubes de futebol despertaram para este novo momento, mobilizando-se, sobretudo, em torno de uma rediscussão de sua principal fonte de receitas: a TV.
Pressionadas, as emissoras responderam com ofertas mais robustas e, em linhas gerais, pelo menos duplicaram o faturamento dos clubes, neste quesito. Os ganhos com os direitos de transmissão não vieram sozinhos, levando à potencialização de outra importante categoria de receitas: os ativos comerciais, em particular os acordos de patrocínio.
Na prática, os clubes passaram a dispor de mais dinheiro. Em um primeiro momento, o mercado respondeu de forma positiva, endossando pacotes majorados de cotas (de anúncios) durante as transmissões esportivas. E, além deles, abraçou projetos de patrocínio, igualmente inflacionados, envolvendo as propriedades esportivas dos clubes –desde uniformes até placas de campo. Uma parcela significativa destas entradas responde pelo budget salarial dos astros.
O Santos é um bom exemplo, com seu projeto Neymar. A jóia da vila, sozinho, embolsa ganhos próximos a R$ 1,5 milhões mensais. O mercado tem sucumbido ao talento e carisma inegável do craque santista. E não parece haver dúvidas que o alto investimento dá resultados: já são dez os acordos comerciais em torno de Neymar –tendo o Santos aberto mão de parte significativa destas receitas, para mantê-las atraentes. Os ganhos do clube vem do reforço de sua imagem institucional, aumento de freqüência do público ao estádio e fortalecimento de suas demais fontes de receitas: venda de produtos, patrocínio de camisa, licenciamento, etc.
Flamengo e Corinthians, no rastro de suas imensas torcidas, proporcionam salários igualmente surpreendentes para seus astros: Ronaldinho, com seus R$ 350 mil mensais reforçados por R$ 900 mil mensais de sua, agora, ex-parceira Traffic; e Adriano, na faixa de R$ 400 mil/mês, em meio a infindáveis contusões, confusões e sobrepeso, que mal o deixam atuar. O problema, nestes casos, é que o investimento é incompatível com o retorno alcançado. Adriano, no seu retorno ao Flamengo vendeu mais de 200 mil camisas, em pouco mais de uma semana. Ronaldo Nazário alcançou números ainda mais fenomenais no clube paulista.
Hoje, nomes e clubes trocados, o fiasco é proporcional as passagens apagadas -comercialmente falando-, das estrelas por seus respectivos clubes. Menos mal para o Corinthians, com seus múltiplos acordos de patrocínio. O Flamengo, nem isso.
Situação ainda mais estranha é a do Fluminense: não apenas um, mas vários mega-salários são desembolsados todos os meses, pela eterna patrocinadora das Laranjeiras, a Unimed. Com folha salarial próxima aos R$ 5 milhões mensais, multiplicam-se as cifras milionárias gastas com a remuneração dos astros da equipe: do treinador ao artilheiro, todos na casa dos R$ 700 mil mensais. Difícil é desvendar o retorno de tamanho investimento para o associado ao plano de saúde –um dos mais reclamados nos órgãos de defesa do consumidor de todo o país.
Por último, but not least, o Internacional de Porto Alegre decidiu entrar para o clube dos bons pagadores de salários. Reforçou o caixa de sua estrela maior, o argentino D´Alessando, agora com ganhos próximos aos R$ 800 mil mensais. Quem sabe uma demonstração de força, ante o meio milhão de reais mensais, que o Grêmio passou a desembolsar pelo seu gladiador, Kleber? Ou, talvez, uma resposta mais do que ousada dos pampas à fartura do sudeste.
No ritmo de tanta generosidade, as dificuldades de honrar com os compromissos assumidos é inversamente proporcional ao apetite contratador por novos beneficiários da roda da fortuna. Se falta profissionalismo, seriedade, competência e responsabilidade, sobra euforia. Que o diga a última cartada na rivalidade doméstica do Fla x Flu, extrapolando os gramados e fazendo russos e árabes saírem rindo à toa. E há promessas de que vem mais por aí...
Luiz Léo
Consultor de esportes e professor de marketing esportivo da PUC-Rio
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