A divulgação do ranking de clubes de futebol mais valiosos do planeta, relativos à temporada 2010-2011, traz à tona uma urgente questão: como conciliar tamanha fartura em um cenário de crescentes incertezas sobre o futuro da economia mundial ?
Os números revelados pela consultoria financeira inglesa Delloite, no seu relatório anual, Delloite Football Money League 2012, apontam o Real Madrid e o Barcelona na ponta da tabela, com faturamento na ordem de 500 milhões de euros. Logo abaixo deles, clubes ingleses, alemães e italianos figuram entre os dez mais. Nenhum brasileiro aparece ranqueado.
A análise considera apenas as três fontes clássicas de receitas que abastecem o esporte contemporâneo: os direitos de transmissão, a bilheteria e os acordos comerciais. E exclui os valores utilizados em transferências de atletas, impostos e outras atividades extra-futebol, como as transações de capital. Contabiliza, portanto, apenas o básico.
Somadas, as receitas dos trinta maiores clubes de futebol do mundo alcançam a impressionante cifra de 5,3 bilhões de euros. Uma montanha de dinheiro nada desprezível, superior ao PIB de muitos Estados.
No Brasil, o Corinthians puxa a fila dos endinheirados. No seu mais recente Relatório de Sustentabilidade, correspondente à temporada de 2011, informa que teve receitas de R$ 290,5 milhões (ou 132 milhões de euros ao câmbio atual). Descontadas as receitas com transferências de atletas, o valor cai para R$ 230,8 milhões (104 milhões de euros).
Tais números colocariam o clube paulista na lista dos 30 maiores geradores de receita do futebol internacional. E isso tem a ver com uma mudança no modelo de captação de recursos, que fez com que o clube tivesse um espantoso crescimento, em relação ao ano anterior.
Na contramão da Europa, que vê secar a circulação de dinheiro em função da grave crise econômica, o futebol brasileiro fez animadores progressos nos últimos anos. Com um aumento global das fontes de financiamento do esporte, notadamente os direitos de transmissão, não será surpresa que outros clubes brazucas apareçam bem posicionados, em um futuro próximo, nas várias modalidades de rankings financeiros do esporte, que existem pelo mundo afora.
Entretanto, o problema lá como cá, é a forma como são gastos os recursos apurados. Segundo a UEFA, nos relatórios fiscais apresentados por 650 clubes europeus, mais da metade deles (56%) acumularam prejuízos no ano fiscal de 2010, quando as dívidas alcançaram extratosféricos 8,4 bilhões de euros. Real Madrid e Barcelona, os que mais faturam, também não medem seu apetite na hora de gastar: em seus recentes balanços financeiros, registram valores negativos superiores a 400 milhões de euros, cada um. Coincidência ou não, o Barcelona, inclusive, voltou a cobrar ingressos em seus treinos, para não sócios.
Tal quadro levou a UEFA a lançar um plano de contingência para os clubes europeus (o Financial Fair Play), ameaçando de exclusão das competições promovidas pela entidade, a partir de 2013/2014 aqueles que não conseguirem controlar seu nível de endividamento.
No Brasil, o Corinthians repete a mesma fórmula: deve próximo a R$ 180 milhões (80 milhões de euros). E nem é dos piores. Em reportagem de abril de 2011, o jornal O Estado de São Paulo elaborou um ranking dos 20 clubes que mais acumulavam dívidas no Brasil: juntos, então, somavam a exorbitante quantia de R$ 3,5 bilhões negativos (com base nos seus balanços de 2010). O Atlético Mineiro liderava a lista, com inacreditáveis: R$ 527 milhões !
No ritmo do descompasso entre o que faturam e o que gastam, os clubes de futebol tornaram-se uma aberração em termos administrativos. O modelo de gestão europeu, outrora um parâmetro de eficiência e seriedade, há muito deixou de ser referência. Seduzidos pela oferta de crédito fácil que varreu o planeta na última década, dirigentes esportivos do velho continente enveredaram pelo mesmo caminho de erros dos seus pares tupiniquins: investimentos acima da capacidade de suas receitas garantidas.
A diferença, em termos de infra-estrutura, que os clubes da Europa já alcançaram há décadas –e que os clubes brasileiros ainda ensaiam conquistar- desaparece, principalmente, na sandice desenfrada dos mega-salários com que são remunerados os seus astros. Mesmo com a larga experiência acumulada na condução de empreendimentos com estádios próprios, torcidas fiéis e investidores conscientes do potencial de retorno oferecido pelo esporte, o futebol europeu rompeu o limiar do bom senso nos gastos com a manutenção de suas equipes.
A gravidade do quadro já seria alarmante por si só, não fosse a rápida deterioração da economia européia, para agravá-la ainda mais. Algumas dezenas de clubes tradicionais estão com a sua existência seriamente ameaçada, diante das dificuldades de contratação de novos empréstimos, para abater antigas dívidas que rolam sem cessar, de ano para ano.
Os poucos que ainda conseguem registrar lucros, já não o fazem em quantidade suficiente para equacionar seus passivos pendentes. O poderoso Manchester United conseguiu reverter uma tendência de déficits regulares, voltando a apresentar um lucro de 30 milhões de libras, no ano fiscal de 2010-2011. Com isso, reduziu sua gigantesca dívida em quase 20%, para próximo de 450 milhões de libras, adiando os planos de ofertas de ações públicas do time.
A caminho de uma nova edição da Copa do Mundo, a ser realizada em terras brasileiras, abre-se uma bela oportunidade para que nossos gestores esportivos apontem alternativas de sustentabilidade para o futebol mundial. Não haveria melhor vitrine para a nossa emergente economia, do que ensinar ao mundo, novamente, mas agora, fora de campo, como se faz futebol de forma séria e responsável, para além dos gramados.
Mas, para isso é preciso iniciativa, ousadia e compromisso de longo prazo. Caso contrário, os dias do futebol multibilionário estão contados.
Luiz Léo
Consultor de esportes e professor de marketing esportivo da PUC-Rio
Um comentário:
Muito oportuna essa discussão, pois não vemos esse problema apenas nas grandes equipes, que até pelo seu gigantismo, conseguem sobreviver, mas muito mais grave nas equipes menores, que hoje são em sua maioria, ligadas a algum empresário.
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