E quem diria que o Pelé dos ringues levaria tamanha bola nas
costas ? Pois Anderson Silva levou. Um tremendo cruzado no queixo. Daqueles que
não tem mais volta. Acusou o golpe, revirou os olhinhos e entortou o pescoço.
Desabou, batendo a cabeça com força no tatame do octógono. Terminava ali a
longa saga do campeão. O outrora invencível lutador estava irremediavelmente
estendido no chão, agarrado às pernas do árbitro, como que tentando impedir o
inevitável. Nocaute clássico. No melhor estilo boxeur: beijando a lona...
Trágico, não fosse triste. O brasileiro inspirava uma legião
de amantes do esporte, que apresenta o crescimento mais vertiginoso do planeta.
O mito Spider encerrou sua sequência
de vitórias na defesa de cinturão aniquilado por um novato. O norte-americano Chris
Weidman quase não podia se conter. Expressava um misto de êxtase e surpresa com
seu feito. O garoto fez a sua parte, diante do veterano, que mais parecia
disposto ao show do que à luta. Provocou tanto, que dançou. Para valer. Sem
perdão. E de forma muito constrangedora.
Passado o calor do momento, cabe uma análise realista sobre
o futuro do ídolo. Para começar, as teorias conspiratórias que inundam as redes
sociais, tal como praga, não fazem qualquer sentido prático. Anderson perdeu praticamente
para si mesmo. E ponto. Já reconheceu que errou. A estratégia, bem sucedida em
outras ocasiões, não deu certo desta vez. Dentro do corner não dá para
arriscar. Ele arriscou. Diversas vezes ao longo da carreira. Uma hora poderia dar
errado. Deu. Vida que segue. Lessons
learned. E vamos ao que interessa.
Anderson vai voltar. Derrotará Weidman. Recuperará seu
cinturão. Esse roteiro é definitivo. Não tem teorias estapafúrdias que o
modifiquem. O problema é administrar o passivo da luta que passou. O maior
lutador de MMA de todos os tempos fez mal a sua própria imagem. Contaminou um
perfil limpo, de bom moço, de sujeito correto e respeitável. Atentou contra
aquilo que tinha de mais valioso. Afinal, não é nada fácil construir uma
identidade tão positiva, em uma modalidade esportiva carregada de preconceitos
e discriminação.
O “aranha” cercou-se
de atributos que vinham impulsionando uma carreira extremamente bem sucedida
–muito mais fora até, do que dentro dos ringues. Alcançou o patamar invejável de
idolatria, de referência. Daquele em que todos se inspiram em ser. Vendia
simpatia, vitalidade e confiança.
Bastaram alguns poucos minutos para subverter seus próprios valores. A
prepotência, o escárnio e o desrespeito soaram indisfarçáveis. O gentil
gigante, de voz afinada, atravessou o ritmo. Passou uma imagem de engodo para o
mundo.
Se não foi fácil chegar até onde chegou, mais difícil ainda
será sair de onde está. Não bastarão apenas seus punhos e o excelente jogo de pernas
para se livrar das críticas que o perseguirão, onde quer que vá. O fogo, nada
amigo, virá de suas próprias fileiras. Muitos de seus admiradores estão receosos
de seus próximos passos. Precisará trabalhar (e muito) quieto. Evitar a
superexposição, que a esta altura não acrescentará muita coisa. Deverá aprender
a lidar com os comentários desabonadores e depurá-los. Retomar suas origens. Livrar-se
dos bajuladores de ocasião. Enfim, Anderson terá uma dura missão pela frente.
No plano comercial, a recuperação da imagem do ídolo passa por
uma mudança de postura e de atitude que, de certa forma, já começou a ser
ensaiada logo após o combate. Saber perder é uma virtude sempre admirada –mesmo
para os superpoderosos. Assim, humildade combinada com certa dose de alto
estima torna-se um belo revigorante. Se nos bastidores do UFC o brasileiro nunca foi uma unanimidade,
em termos de simpatia, fora dele desfruta de um
prestigio inigualável com públicos diversificados. É para essa turma que deverá
dirigir seus esforços de reconstrução de sua identidade esportiva. Livre do
peso da invencibilidade, poderá alavancar outros valores igualmente admirados:
obstinação, superação e, quem sabe, (outra) volta por cima.
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