A ruptura de Ronaldinho com o
Flamengo, apesar de bombástica, só parece ter surpreendido os dirigentes do
clube da Gávea. Torcedores e crônica esportiva há muito intuíam um desfecho
traumático para a parceria. Afinal, a opção do jogador por uma vida
completamente avessa às exigências do esporte de alto nível era mais do que
notória. Desde a sua apresentação, como grande contratação do futebol
brasileiro para a temporada de 2011, o gaúcho sabia que tinha dois caminhos a
sua frente: recuperar o prestígio perdido na Europa, defendendo o time de maior
torcida do Brasil, ou entregar-se aos prazeres efêmeros de uma cidade que
transpira boemia, desempenhando mais o papel de uma celebridade.
Entre o craque e o pop star, Ronaldinho
nunca deu margem à dúvidas: abraçou com volúpia as tentações de um Rio sempre
em temperatura máxima. Desfilou pelos points
da cidade com a desenvoltura de um astro do showbizz -sem jamais lembrar o
virtuose dos gramados de outrora. Tratava-se de operação de alto risco para
todas as partes envolvidas no empreendimento. E ao longo do caminho foram sendo
deixadas evidências de que não poderia resultar boa coisa: o rompimento com a
Traffic, intermediária da contratação e garantidora financeira da operação (afastada
poucos meses depois do processo, por misteriosos desacordos comerciais). A irresponsável
incorporação, por parte do clube, de um compromisso econômico obviamente além de
sua capacidade financeira. E, finalmente, mas não por último: o desdém de um
jogador que não era nem sombra do talento que fora no passado –e, ainda por
cima, insensível as ações mercadológicas, envolvendo sua figura esportiva (possivelmente
o único ativo de valor de um clube em permanente crise de identidade).
O encerramento, pelas vias judiciais,
do pacto laboral entre o profissional e a entidade empregadora, não é um
caminho novo. A discussão só está no seu início e certamente ainda trará muitas
reviravoltas. Mas, a mácula na imagem dos interessados já é irreversível. Para
Ronaldinho, recuperar a condição técnica perdida parece improvável. E, no que
diz respeito ao seu status como ídolo, as perspectivas em gramados brasileiros
não soam nada animadoras: descartado da Seleção Brasileira, questionado dentro
e fora das quatro linhas, perdeu parte do seu encanto. Quanto ao Flamengo, o
cenário é ainda mais devastador: incapaz de gerar um time competitivo, a
despeito do alto investimento, convive com sérios problemas de gestão em todos
os setores do clube: do financeiro ao marketing, passando pelo patrimonial,
dentre outros.
No balanço que já se pode fazer da
turbulenta passagem de Ronaldinho pela Gávea, o campeonato carioca de 2011
somado aos quase trinta gols anotados em pouco mais de 70 partidas com a camisa
vermelho e preta não são um saldo de que se possam orgulhar as partes. O
jogador saiu alegando atraso no pagamento dos seus vencimentos –embora, em
termos futebolísticos, tenha ficado devendo, e muito. O clube, sem negar a
dívida, abusa da demagogia e inoperância, adiando uma solução que é cada vez
mais incerta: em quase dezoito meses, não conseguiu capitalizar uma única parceria
comercial a altura dos investimentos realizados –e da própria marca Flamengo e de
seus quase 40 milhões de torcedores.
Em um paralelo com o passado e o presente,
Corinthians e Santos têm muito a ensinar aos mandatários rubro-negros. O time
da capital paulista fez do fenômeno Ronaldo a alavanca de um crescimento impressionante,
traduzido em contratos milionários, construção de um estádio próprio, títulos e
no aumento expressivo de sua torcida pelo Brasil afora. No clube da baixada
santista, a onda Neymar continua dando mostras de sua vitalidade, alimentada
por uma fórmula empresarial que combina seriedade com ousadia: a estrela do
peixe brilha sem parar, nos gramados e nas vitrines comerciais, mesclando
conquistas nos campos esportivos e econômico, sem perder a originalidade.
O Flamengo bancou uma aposta muito
alta. Alavancou cacife para os primeiros movimentos no tabuleiro dos negócios
do esporte, mas perdeu-se completamente pela ausência de um projeto de longo
prazo, com critérios de controle e objetivos programáticos mais definidos.
Entre as exigências do profissionalismo e as frivolidades do jogo político,
sucumbiu a este último. Sobretudo, elegeu dirigentes de competência duvidosa
para o comando dos seus interesses mais agudos. Valendo-se de velhos quadros de
uma estrutura viciada e improdutiva, o clube se mantém atrelado aos grilhões de
um passado amadorístico e irresponsável. No somatório de desacertos, legitimou,
ainda, uma tradição histórica, que atravessa (e inutiliza) gerações de atletas flamenguistas:
prostrou-se diante das extravagâncias, exigências descabidas e acobertamento de
problemas que são incompatíveis com a rotina de um atleta profissional –neste
caso, a maior estrela e principal referência da companhia.
No mercado do esporte de alto
rendimento não mais há lugar para os ingênuos –e muito menos para os improvisos.
Os bastidores do seu espetáculo alimentam uma lógica extremamente competitiva
e, por vezes, perversa. Em meio a um tênue equilíbrio dinâmico, onde a disputa leva
a cooperação interesseira entre seus players,
qualquer vantagem obtida é ouro. Lamentavelmente, para a grande massa de
aficionados, que assiste aflita aos descaminhos percorridos pelo proclamado em
versos “clube mais querido do Brasil”, não parece ser desta vez que o Flamengo
saberá aproveitar a oportunidade de transformar suas forças em oportunidades
para se reinventar como grande instituição esportiva. Afinal, Adriano vem ai...
ou melhor, pela terceira ou quarta vez, o Imperador voltará. A pergunta que
fica é: para quê ?
Luiz Léo é consultor de negócios no esporte
e professor de Marketing Esportivo (PUC-Rio)
***
Publicado na página de Opinião de O Globo
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Publicado na página de Opinião de O Globo
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