quinta-feira, 31 de maio de 2012

E deu o óbvio: foi-se o jogador, não ficou nem o pop star...

A ruptura de Ronaldinho com o Flamengo, apesar de bombástica, só parece ter surpreendido os dirigentes do clube da Gávea. Torcedores e crônica esportiva há muito intuíam um desfecho traumático para a parceria. Afinal, a opção do jogador por uma vida completamente avessa às exigências do esporte de alto nível era mais do que notória. Desde a sua apresentação, como grande contratação do futebol brasileiro para a temporada de 2011, o gaúcho sabia que tinha dois caminhos a sua frente: recuperar o prestígio perdido na Europa, defendendo o time de maior torcida do Brasil, ou entregar-se aos prazeres efêmeros de uma cidade que transpira boemia, desempenhando mais o papel de uma celebridade.

Entre o craque e o pop star, Ronaldinho nunca deu margem à dúvidas: abraçou com volúpia as tentações de um Rio sempre em temperatura máxima. Desfilou pelos points da cidade com a desenvoltura de um astro do showbizz -sem jamais lembrar o virtuose dos gramados de outrora. Tratava-se de operação de alto risco para todas as partes envolvidas no empreendimento. E ao longo do caminho foram sendo deixadas evidências de que não poderia resultar boa coisa: o rompimento com a Traffic, intermediária da contratação e garantidora financeira da operação (afastada poucos meses depois do processo, por misteriosos desacordos comerciais). A irresponsável incorporação, por parte do clube, de um compromisso econômico obviamente além de sua capacidade financeira. E, finalmente, mas não por último: o desdém de um jogador que não era nem sombra do talento que fora no passado –e, ainda por cima, insensível as ações mercadológicas, envolvendo sua figura esportiva (possivelmente o único ativo de valor de um clube em permanente crise de identidade).

O encerramento, pelas vias judiciais, do pacto laboral entre o profissional e a entidade empregadora, não é um caminho novo. A discussão só está no seu início e certamente ainda trará muitas reviravoltas. Mas, a mácula na imagem dos interessados já é irreversível. Para Ronaldinho, recuperar a condição técnica perdida parece improvável. E, no que diz respeito ao seu status como ídolo, as perspectivas em gramados brasileiros não soam nada animadoras: descartado da Seleção Brasileira, questionado dentro e fora das quatro linhas, perdeu parte do seu encanto. Quanto ao Flamengo, o cenário é ainda mais devastador: incapaz de gerar um time competitivo, a despeito do alto investimento, convive com sérios problemas de gestão em todos os setores do clube: do financeiro ao marketing, passando pelo patrimonial, dentre outros.

No balanço que já se pode fazer da turbulenta passagem de Ronaldinho pela Gávea, o campeonato carioca de 2011 somado aos quase trinta gols anotados em pouco mais de 70 partidas com a camisa vermelho e preta não são um saldo de que se possam orgulhar as partes. O jogador saiu alegando atraso no pagamento dos seus vencimentos –embora, em termos futebolísticos, tenha ficado devendo, e muito. O clube, sem negar a dívida, abusa da demagogia e inoperância, adiando uma solução que é cada vez mais incerta: em quase dezoito meses, não conseguiu capitalizar uma única parceria comercial a altura dos investimentos realizados –e da própria marca Flamengo e de seus quase 40 milhões de torcedores.

Em um paralelo com o passado e o presente, Corinthians e Santos têm muito a ensinar aos mandatários rubro-negros. O time da capital paulista fez do fenômeno Ronaldo a alavanca de um crescimento impressionante, traduzido em contratos milionários, construção de um estádio próprio, títulos e no aumento expressivo de sua torcida pelo Brasil afora. No clube da baixada santista, a onda Neymar continua dando mostras de sua vitalidade, alimentada por uma fórmula empresarial que combina seriedade com ousadia: a estrela do peixe brilha sem parar, nos gramados e nas vitrines comerciais, mesclando conquistas nos campos esportivos e econômico, sem perder a originalidade.

O Flamengo bancou uma aposta muito alta. Alavancou cacife para os primeiros movimentos no tabuleiro dos negócios do esporte, mas perdeu-se completamente pela ausência de um projeto de longo prazo, com critérios de controle e objetivos programáticos mais definidos. Entre as exigências do profissionalismo e as frivolidades do jogo político, sucumbiu a este último. Sobretudo, elegeu dirigentes de competência duvidosa para o comando dos seus interesses mais agudos. Valendo-se de velhos quadros de uma estrutura viciada e improdutiva, o clube se mantém atrelado aos grilhões de um passado amadorístico e irresponsável. No somatório de desacertos, legitimou, ainda, uma tradição histórica, que atravessa (e inutiliza) gerações de atletas flamenguistas: prostrou-se diante das extravagâncias, exigências descabidas e acobertamento de problemas que são incompatíveis com a rotina de um atleta profissional –neste caso, a maior estrela e principal referência da companhia.

No mercado do esporte de alto rendimento não mais há lugar para os ingênuos –e muito menos para os improvisos. Os bastidores do seu espetáculo alimentam uma lógica extremamente competitiva e, por vezes, perversa. Em meio a um tênue equilíbrio dinâmico, onde a disputa leva a cooperação interesseira entre seus players, qualquer vantagem obtida é ouro. Lamentavelmente, para a grande massa de aficionados, que assiste aflita aos descaminhos percorridos pelo proclamado em versos “clube mais querido do Brasil”, não parece ser desta vez que o Flamengo saberá aproveitar a oportunidade de transformar suas forças em oportunidades para se reinventar como grande instituição esportiva. Afinal, Adriano vem ai... ou melhor, pela terceira ou quarta vez, o Imperador voltará. A pergunta que fica é: para quê ?

Luiz Léo é consultor de negócios no esporte e professor de Marketing Esportivo (PUC-Rio)

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Publicado na página de Opinião de O Globo

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